segunda-feira, 16 de maio de 2011
Viagem a Portugal
“Hu-ho...” – naquela noite a entrada do cinema São Jorge estava literalmente apinhada de gente. Gente as escadas, gente na fila para os bilhetes, e mais gente a correr para as salas. Era um sinal apocalíptico, mas no bom sentido. Ninguém queria perder o Indie.
No vidro da bilheteira, um papel colado com fita-cola anunciava: “Viagem a Portugal – Esgotado”. Decepcionada, conformei-me a folhear o programa do festival, para os dias que se seguiam, na esperança de encontrar algo que despertasse o meu interesse. Mas nada. No que ao cinema independente diz respeito, é difícil, concluo, não cair no chavão sex-drugs de que já estamos um pouco saturados.
E eu queria tanto ver este filme...
Até que dois miúdos com ar de rufias simpáticos me abordam com um sorriso na cara: “Quer bilhetes para o Viagem a Portugal?” Pergunta de rompante um deles. “Quero – respondo – mas quanto custa?” Preparava-me para dar corda às minhas bargaining skills, quando compreendo que não tenho de pagar nada, já que um dos miúdos era protagonista no filme. No cinema independente, é o que dizem, os artistas estão mais próximos do público.
Em Viagem a Portugal, Sérgio Treffaut mostra-nos o drama de uma mulher ucraniana que, aquando de um voo Kiev – Faro, é detida pelos serviços da guarda fronteiriça. Aí inicia-se um longo processo de interrogatório no qual Maria, a protagonista (interpretada por Maria de Medeiros) vai pouco a pouco entrando num ciclo de desespero e confusão, induzido pelo comportamento inflexível dos guardas. À trama junta-se o seu marido senegalês (Makena Diop), médico formado na Ucrânia, agora suspeito de tráfico humano e lenocínio.
É uma longa-metragem esteticamente perfeita, ajudada pela interpretação brilhante dos protagonistas principais, sobretudo a de Maria de Medeiros. Nota-se um empenho especial nos detalhes: um cenário limpo e despido de humanidade, em que cada objecto tem o seu peso especifico, a expressão facial e corporal dos actores, cujo físico parece ter sido criteriosamente escolhido para cada papel. Nos diálogos, não falta uma certa ironia que lhes confere um tom quase humorístico; e que revela bem a incompreensão e comunicação falhada entre ambas as partes, portuguesa e ucraniana.
Tem algumas falhas, como a má qualidade de alguns actores secundários (estou a falar dos guardas de serviço, que tanto podiam estar ali como num anúncio ao Tide Máquina), e uma ou outra distracção (as matrículas dos carros, por exemplo, são actuais, sendo que o filme se passa em 1997). No entanto, tudo isso acaba por passar de um certo modo despercebido, à medida que o espectador mergulha num autêntico poço de emoções: raiva, frustração, esperança. A empatia com Maria é obvia mas, graças à mudança de planos e à repetição de certas cenas, o realizador consegue mostrar o ponto de vista de cada um dos protagonistas, o que nos obriga a pôr certas coisas em perspectiva.
Treffaut baseou-se, para criar esta longa-metragem, na história real da sua professora de Russo. Assim sendo a mesma serve também para nos alertar para uma certa realidade, que nos pode ser invisível, mas que está quotidianamente presente. No mundo da globalização, é importante ver como, em certos casos, o preconceito e a ignorância continuam a triunfar.
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