Violação, prostituição e pornografia. São os três vectores
principais deste ensaio, que nos propõe uma teoria revolucionária quanto ao modo de olhar a sexualidade.
Há que primeiro conhecer a autora. Virginie Despentes nasceu
em Nancy, durante uma adolescência rebelde e conturbada, os pais chegaram
mesmo, à laia de desespero, a enfiá-la num asilo psiquiátrico. Terminado o
liceu, mudou-se para Lyon, onde exerceu todo o tipo de actividades: caixeira de
supermercado, mulher a dias, crítica de filmes pornográficos e até mesmo
prostituta.
O seu primeiro livro – Baise-moi (Fode-me) – foi tão bem sucedido
quanto controverso, já que se tratava da mais pura afronta social. Seguiram-se outros livros, filmes, prémios. Neste momento, Despentes é uma das
mais aclamadas autoras francesas.
O que é o feminismo pró-sexo? Nascida nos anos oitenta nos
Estados Unidos, é uma teoria que defende que a mulher deve poder utilizar o seu
corpo e vendê-lo se bem lhe apetecer. Olha para a criminalização da
prostituição como apenas mais um factor de marginalização das populações desfavorecidas
e um meio de reconfortar o ideal judaico-cristão de família tradicional que nos
foi, basicamente, imposto.
Segundo a autora, representar o conjunto das trabalhadoras
do sexo através da, por exemplo, escravatura humana das máfias de Leste, é tão
redutor como falar dos trabalhadores têxteis mostrando crianças na Índia
metidas em caves.
Falemos de uma mulher cuja principal função de vida não é agradar ao homem, o que, hoje em dia, ainda nem sempre é verdade. E portanto: “Nem sempre é evidente a distinção entre a
prostituição e o trabalho assalariado legal, entre a prostituição e a sedução
feminina, entre o sexo tarifado e o sexo interesseiro, entre aquilo que conheci
durante aqueles anos < de prostituição > e os anos seguintes < como
escritora de sucesso >. O que as mulheres fazem com o seu corpo, a partir do
momento em que à volta delas há homens com poder e dinheiro, parece-me, bem
vistas as coisas, muito parecido. Entre a feminilidade vendida nas revistas e
feminilidade da puta, a nuance escapa-me completamente. E, embora não exponham claramente os seus
tarifários, tenho a impressão de ter vindo a conhecer muitas putas nos últimos
tempos. ”
E continua: “Tal como
o trabalho doméstico e a educação das crianças, o serviço sexual feminino deve
permanecer caridoso. Dinheiro igual a independência. O que consiste um atentado
moral no sexo tarifado não é o facto da mulher não sentir prazer, mas que ela
se afaste do lar e ganhe o seu próprio dinheiro. A prostituta é a “atacante”,
aquela que se apropria da cidade. Trabalha fora do doméstico e da maternidade,
fora da vida familiar. Os homens não precisam de lhe mentir nem de a enganar,
assim, ela arrisca-se perigosamente a tornar-se na sua cúmplice.”
Relativamente à violação e à pornografia, Despentes também
encontra coisas interessantes a dizer, das quais penso falar posteriormente.
É fascinante ler a autora, embora este livro em particular não tenha sido publicado em Portugal (mas pode-se encontrá-lo em francês, espanhol, inglês e português do Brasil), o último - Apocalipse Baby - foi.
Falamos, cada vez mais, numa revolução que se propõe pôr em causa a própria distinção de géneros.
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