segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Gravuras rupestres? Não. Eu quero mesmo é umas fezes roxas.

Foi inaugurado, na passada Sexta-feira dia 30, o Museu de Vila Nova do Foz Côa. Este parque, considerado património Mundial da Unesco em 1998, é o maior conjunto de arte rupestre paleolítico ao ar livre conhecido até hoje. Coisa pouca para quem, como alguns populares indignados, não teve nenhum pudor em manifestar o seu efusivo parecer a semana passada diante das câmaras. De facto, segundo estas doutas opiniões: “Isso do museu é um disparate. A barragem, isso sim, é que era uma verdadeira evolução”.
Ora, se todos já sabíamos ou suspeitávamos de que as obras no Vale do Côa apenas tinham sido interrompidas na altura devido ao enorme escândalo que tal provocou a nível internacional; e que fez com que Portugal finalmente percebesse que ficaria em maus lençóis ao prosseguir com as obras; é com grande pesar que vejo estas opiniões como apenas uma pequena amostra de um provincialismo primitivo dominante no nosso país. Se temos em mãos um legado milenário, uma prova de vida humana há milhões de anos, e um monumento que faz parte da história mundial? Sim, temos. Mas mesmo assim era muito mais “evoluído” construir uma barragem.
Pois depreendo que seja muito mais “fixe” dizer-se aos amigos que se vive ao lado de uma barragem, verdadeiro símbolo de uma zona desenvolvida, do que ao lado de “umas ruínas, ou lá o que é isso”, e as suas paisagens adjacentes.
E é graças a mentalidades como estas que assistimos alegremente em Portugal, com o consenso da sua população, à progressiva substituição de cenários de uma beleza outrora extraordinária, por sucessivas florestas de blocos de cimento, uns mais coloridos do que outros. É a isto que por estes lados se chama de “progresso”.

Há uns tempos viajei de avião. Ao meu lado estavam dois portugueses, provenientes de uma cidade cujo nome já não me recordo. Quando, ao longo de uma conversa circunstancial, interrogados sobre o facto de gostarem ou não da sua cidade natal, estes responderam, com um meio sorriso de consternação nos lábios: “Sim, mas nem tudo está como devia. Ainda não temos Centro Comercial!” – olhando para mim a jeito de que eu iria compreender a sua mágoa.
Compreendo a sua mágoa, assim como a de alguns foz-coenses. Não seria de facto muito mais interessante ter como paisagem um gigantesco bloco de cimento, borbulhante, destrutivo e poluidor, do que um parque Nacional que representa um dos pontos históricos mais importantes do mundo, assim como a diversidade de fauna e flora que o rodeiam?
Estará adulterado o meu conceito de beleza? Porventura. Um exemplo que prova isso é que cada vez que passo por Almada, e o meu primitivo olhar se posa sobre a disforme torre do Shopping (que foi de facto construída por Homens, e não por Aliens, contrariamente ao que se poderia pensar), teimo em reconhecer um enorme conjunto fecal roxo, em forma de pirâmide.

Já que estamos tão interessados em questões de evolução, e tão preocupados com a nossa imagem a nível internacional (pois foi essa, no fundo, uma das principais razões que nos levou a desistir da barragem), preocupemo-nos então com algo que realmente movimenta a nossa economia, e susceptível de nos tornar mais apelativos ao estrangeiro. Perguntemo-nos assim o que levaria um turista europeu a visitar-nos. Seria:
“Hum, temos de ir a Portugal. Aquelas praias desertas da Costa Alentejana, a arquitectura da velha Lisboa, e os montes idílicos da Serra do Gerês parecem-me realmente fenomenais!”
Ou talvez:
“Hum, temos de ir a Portugal. Existe, lá para os lados de Famões, como quem vai para a Brandoa, um centro comercial fantástico, assim como um complexo imobiliário muito moderno; cuja panóplia de edifícios, no seu conjunto, faz vagamente lembrar o Guernica, de Picasso.”

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