quatro da tarde. Pessoas por todo o lado, pessoas que
não gostam de andar de metro. Eu oiço música, porque assim só presto atenção ao
que me interessa. É como uma redoma selectiva, enquadramento paralelo em que os
outros só o são através de uma montra. Eles, os manequins cheios de roupa e eu um
comprador feliz. Compro o que quero, só isso.
Entro. Gosto de olhar para as pessoas no metro, mas não demasiado
tempo. Não sou louca. Nada disso, apenas imagino de onde vêm e porquê esse
sofrimento. Porque as meninas mais bonitas são aquelas que parecem sofrer mais,
no metro. Enfim.
E têm objectos incríveis no colo, que carregam consigo como
grilhões de prisão perpétua. As malas, que não são apenas malas mas biombos
de dor, detalhes da vida que levam mas não gostam de levar. Cabelos, pedaços
enormes de células mortas, amassados à pressa pelos passos do dia. Os cabelos a
cair. As mãos a cair. Os anéis que não querem dizer nada. Estão comprometidas
com alguém de quem não gostam, só porque tiveram filhos juntos. Mas só tiveram
filhos porque acharam que as coisas assim iam melhorar. E é tudo. E isso é
horrível, porque as crianças não têm culpa, mas mesmo assim, às vezes
perguntam-se que mal pode fazer, se elas nunca vão chegar a saber. Pois não?
Elas nunca vão chegar a saber, ou como poderiam, não há palavras, apenas
silêncios. E os silêncios não querem dizer nada. Ou querem.
Mas as crianças sabem e aquelas que vão para a escola no
metro também. É fácil distinguir as que sabem das que não sabem. Porque as
primeira largam um lastro de dor.
Dá também para distinguir as pessoas que costumam andar de
metro e aquelas que lá vagueiam, apenas esporádicas. Primeiro, a Baixa-Chiado,
por exemplo, está cheia de esporádicos. Turistas, surfistas adolescentes e yuppies que ficaram sem a carta por andar bêbados no Bairro Alto no
fim-de-semana passado. Já no Terreiro do Paço, não. Porque os que vêm de barco
do Barreiro não costumam andar de táxi nem a pé. Não há ninguém a carregar o Cartão
7 Colinas, porque todos têm passes. Por que raio haveríamos de andar de barco e
depois mais nada, não é? Não andamos a passear, não fazemos isto pelo gozo. Passe,
esse documento que implica uma vida inteira metida dentro do metro.
Finalmente, o ar livre. E as formigas espalham-se pelo
oxigénio como se não o conhecessem ainda. E como se não tivessem estado
encostadas umas às outras, sentindo o suor, o bafo, a dor umas das outras.
Roçando-se mutuamente nas suas roupas coçadas. Analisando-se, como todos os
animais que se encontram demasiado perto por acidente. É como um grupo enorme
de estranhos, todos juntos, num elevador. Adeus, desconhecidos.