quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Estou sim?

Pais que dão dinheiro aos filhos, sobretudo em caso de necessidade, é algo que devemos sempre louvar. Afinal, não é vergonha nenhuma requisitarmos ocasionalmente a ajuda dos mais velhos para, nos tempos difíceis que correm, concluirmos com sucesso os nossos objectivos pessoais e profissionais.
O meu pai, por outro lado, resolveu oferecer-me um telefone da última geração que ele não quer; totalmente negligenciando o facto de que, entre uma croma maquineta com câmara digital, mp3, touch-screen, e que sei eu mais; e os correspondentes 200 euros, talvez preferisse a segunda opção. Talvez, claro, é uma ironia. Preferia mesmo os 200 euros. Não preciso para nada de um nokia-touch-x-press-tune-ninja-blutooth-hip-tip-mega-nice.
“Estás desadaptada – diz-me ele – tens que acompanhar os teus tempos”. Pressinto que, quando alguém com mais vinte e cinco anos do que nós nos começa a dizer isso, é capaz de ser mau sinal. Mas que mal tem o meu perfeitamente aceitável telefone da última década que, além de ter passado três meses no Egipto sem nada lhe acontecer (o mesmo não se poderia dizer de muitos outros) é capaz de enviar mensagens e fazer chamadas na perfeição? Não será isso suficiente? Não. Hoje em dia, um telemóvel serve para tudo menos para fazer chamadas. Trata-se, com efeito, de um dinamicíssimo objecto, que nos permite perder horas a entretermo-nos com coisas que, numa perspectiva fria e racional, correriam o risco de serem consideradas inúteis. No futuro, um telefone que faça chamadas, será algo extremamente uncool.
Digo que o vou pôr à venda no e-bay. Afinal, sempre me pode servir de alguma coisa. 200 euros equivalem a oito jantares fora, meio computador novo... “Não! – reagem as pessoas à minha volta, escandalizadas, como se eu planeasse fazer um aborto – Estás louca? Não vês que hoje em dia é IMPRESCINDIVEL teres um telemóvel desses?”. E é, pelos vistos. Ao que parece, nos dias que correm, toda a gente tem um nokia-mega-hip-tune-x-press-blutooth-nip-tip-ultra. Desde os meus avós, ao Sr. Abel da mercearia, passando por Mabundo, o feiticeiro que vive numa cabana sem electricidade no Botswana.
Dou por mim a contemplar amargamente esta coisa (perdão, este belíssimo exemplar das tecnologias modernas). Para que preciso eu de um nokia-mega-hip-tune-ninja-blutooth-nip-tip-mega? Para ouvir música, dizem-me uns. Mas eu já tenho um mp3. Para tirar fotografias, dizem-me outros. Mas eu já tenho uma câmara. Para mostrar aos meus amigos? Mas eu vou deixar de ter amigos quando eles perceberem que eu só ando com o meu novo telefone na mala para disfarçar, pois secretamente ainda uso o velho.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

No mínimo, revelador

Numa reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas da semana passada, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Indiano SM Krishna trocou o seu discurso pelo do homólogo Jorge Amado.
Durante vários minutos papagueou frases que, adivinho eu, não fariam para ele qualquer sentido, revelando assim um absoluto desprezo pela posição que preenche e pelas funções que lhe são incumbidas. Mais, pela responsabilidade que é representar um povo, com o seu voto de confiança.
Fossem algumas linhas, a situação era perdoavel. Mas SM Krishna passou longos minutos a discorrer sobre a importância da CPLP, e sobre o facto de Portugal e Brasil se encontrarem juntos ali naquele dia, entre outras questões. Só parou porque um dos seus acessores o avisou, senão continuaria alegremente, suponho, até terminar.
Podia ser uma piada, mas não. É preocupante. A Índia é uma nação desenvolvida em muitas áreas, com peso na cena internacional. Se SM Krishna aparece neste tipo de encontros sem ter o mínimo de noção do que lá se passa, acredito, é possivel que representantes de outras nações façam o mesmo.
É caso para perguntar quem é esta gente, o que anda lá a fazer.



Gosto particularmente do pormenor em que ele levanta a cabecinha, várias vezes, como quem sabe o seu discurso de cor.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O drama do pato

Uma boa notícia para todas aquelas pessoas que estavam a pensar suicidar-se esta semana, O Cisne Negro já chegou às salas de cinema; ou, mais confortavelmente, ao seu site de download ilegal preferido. Precisa de um motivo final para tomar aquele sumo de estricnina? Um empurrãozinho extra para saltar do 12º andar? Tenho a solução ideal para si.

Nina é uma deprimida e solitária bailarina obcecada pelo trabalho que, incompreensivelmente, ainda mais abatida fica quando percebe que acabou de ser escolhida para o papel sonhado por qualquer profissional do seu ramo. Em vez de se alegrar por atingir o auge da sua carreira, passa o tempo inteiro com cara de susto e de choro. A partir daí, como se percebe, o ambiente só poderia ficar ainda mais pesado. Surgem então vários personagens que se vêm juntar à festa. Um professor tarado sexual com fetiches sádico-controladores, uma mãe dominadora com passatempos bizarros, e uma colega junkie-lésbica que não olha a meios para lhe conseguia roubar o lugar. Às tantas, percebe-se que Nina sofre do que seria clinicamente definido por esquizofrenia. As suas alucinações consistem essencialmente em ouvir vozes e ver partes do seu corpo esvaírem-se em sangue. Mais nada? Claro que sim. Muito e muito mais, ao ponto de sairmos da sala a achar que o mundo não tem solução, e a vida é um grande poço vazio sem fundo. Mas seria indelicado revelar demasiado aos que ainda pretendem assistir a esta tão reputada película. Resta-me apenas fazer uma observação, para aqueles que depois disto optarão por uma comédia light da próxima vez que forem ao cinema, mas que mesmo assim gostariam de saber um pouco mais sobre o filme, para o poderem discutir no seu círculo de amigos: sangue, sexo, e alucinações. São estas as palavras-chave, e tudo o que precisam de saber sobre O Cisne Negro.

Percebo que o objectivo tenha sido o de expor o “lado negro” do mundo do ballet. Temo, no entanto, que o realizador tenha ido um pouco longe demais.
Estou plenamente consciente do risco de com isto vir a ser detestada pelos intelectuais da sétima arte, que considerem este um filme visualmente espectacular, e o desempenho da actriz principal como sendo magnífico. Não digo que não. Afinal, sou tudo menos uma especialista, e admito que a minha sensibilidade dentro do género possa ser demasiado rudimentar, ao ponto de preferir o entretenimento sobre a inatingível peça artística, destinada apenas às elites mais iluminadas. Apenas digo é que talvez seja melhor assistir-se ao mesmo acompanhado de uma garrafa da Vodka, ou uma carteira de Prozac.