segunda-feira, 21 de março de 2011

Islão – passado, presente e futuro.

Hans Kung é um teólogo cristão suíço-alemão que defende medidas consideradas polémicas dentro da Igreja, tais como o fim do celibato dos padres, e a abertura do sacerdócio às mulheres. Em 1979, depois da publicação dum livro considerado subversivo sobre a Infalibilidade Papal (o dogma que afirma que o Papa, quando define solenemente algo em matéria de fé ou moral, está sempre correcto), o Vaticano retirou-lhe a permissão para ensinar Teologia em seu nome. Guardou, todavia, o seu lugar na universidade de Tubingen, sendo actualmente presidente da Global Ethic Foundation.

Os séculos passam, o Homem permanece semelhante a si mesmo. A religião continua, nos dias que correm, a servir de pretexto emocional e psicológico com o objectivo real de servir propósitos políticos e económicos. É o caso em alguns países árabes, mas também nos Estados Unidos, por exemplo, em que o Cristianismo é por vezes visto como o Bem, comparativamente ao Islão, frequentemente diabolizado (assim se substituindo, neste caso, o Comunismo pelo Islamismo).
Contra este preconceito bipolar luta Hans Kung, naquele que é o último de três grandes tomos dedicados às religiões monoteístas.


Islão - passado, presente e futuro. Editora: Edições 70

Como ateia convicta, vejo contudo os conhecimentos básicos sobre qualquer grande religião como essenciais para o entendimento do mundo actual e passado. Penso que no caso do Islão isto é particularmente verdade, devido aos conflitos mortais que com ele se relacionam. Vivemos constantemente sob esta “ameaça” (vide, o medo de que a Irmandade Muçulmana ganhe as próximas eleições no Egipto, e como isso foi crucial para o tardio e reticente apoio internacional à revolução em curso), criando a imagem de uma religião obscura, baseada nas manifestações de extremismo que chegam a nós através dos media. O extremismo existe e é grave. E sim, tem vindo a ganhar uma enorme força, o que é de recear tendo em conta os grandes poderes económicos que o amparam, nomeadamente na Arábia Saudita. Mas quem é o comum muçulmano? Muito provavelmente aquele que apenas se preocupa em fazer as suas orações, esmolas e eventuais peregrinações; sem quaisquer planos de conquista mundial ou aspirações a práticas suicidárias.

Segundo Kung, um dos problemas centrais do Islão é o de ter ficado preso na sua própria versão da Idade Média. Ao contrario do Judaísmo e do Cristianismo, não sucumbiu a nenhuma reforma religiosa. “O culpado é a perpetuação de um paradigma para alem da época adequada” que “em condições históricas totalmente diferentes, levará a uma dessincronização e, deste modo, à improdutividade espiritual”. É o caso da ainda aplicação, em certas zonas, de costumes da sharia completamente anacrónicos, tais como o apedrejamento.
Assim, uma das principais causas do conflito inter-religioso é a persistência de modos de pensar datados. Mas isto aplica-se a todas elas. Afinal, o celibato dos padres pode ter sido uma (não a única, obviamente) das razões para tantos casos de pedofilia na Igreja Católica.
Kung defende que a melhor maneira de resolver o problema é apelar ao conhecimento mútuo entre as partes. Não fosse a mensagem do livro, nas suas próprias palavras: “Não há paz entre as nações sem paz entre as religiões. Não há paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões. Não há diálogo entre as religiões sem pesquisa na base das religiões. Não há sobrevivência no nosso globo sem uma ética global, uma ética mundial compartilhada por crentes e não crentes.”
Este livro pretende ultrapassar os preconceitos, proporcionando um saber efectivo sobre a matéria. Numa excelente e clara abordagem, com discurso limpo e bem estruturado, analisam-se 1400 anos de história, a mensagem, as práticas e os desafios actuais.

segunda-feira, 14 de março de 2011

KIri-kiri Kiri-kiri-ki

Os Homens da Luta são - para aqueles que apenas agora deles ouvem falar, em consequência da sua inusitada vitória na mais recente edição Festival da Canção – dois personagens há alguns anos criados pelo humorista Jel e o seu irmão, para o programa televisivo Vai Tudo Abaixo. Homens do PREC, com nítidas influências Zécafonsianas, revolucionários com propensão para semear a desordem; levaram o troféu para casa neste evento do qual já pouco ou nada se sabia ou queria saber.
Pasmo-me ao deparar-me nas reacções mais indignadas, nomeadamente por parte daqueles que, de resto, têm em outras ocasiões merecido o meu profundo respeito.
Penso que o humor é uma forma de contestação tão legítima como qualquer outra. Mais: democrática e necessária, já que se trata de uma maneira eficaz de despertar consciências (sobretudo as mais jovens, muitas vezes adormecidas). Não é novidade que ultimamente se verifica algum sentimento de apatia e desinteresse por parte da população, relativamente ao que se passa dentro das lutas politicas; sobretudo devido à sua impotência e frustração ao perceber que estas poucas respostas práticas têm trazido aos problemas económicos e sociais. Se o humor é uma forma de reavivar a esperança de que a situação melhore, porque não aceitá-lo?
Posto isto, contrariamente a alguns, não estou minimamente preocupada com a nossa figura neste particular diante dos alemães. Não me parece que a aptidão de Portugal para receber dinheiro da União Europeia tenha o mínimo que ver com a nossa performance no Festival da Eurovisão. Mas se, por um acaso do destino assim o for, acho que muito pelo contrário, se eu fosse alemã adquiriria todo um novo respeito pelos lusitanos. Com efeito, a candidatura dos Homens da Luta parece-me uma proposta bem útil a quem pretende pedinchar dinheiro. Mostra que somos um povo criativo e vanguardista, pouco conformado e com personalidade - tudo qualidades propícias a aliciar os potenciais investidores estrangeiros.
Nas poucas entrevistas que vi com estes humoristas, entristece-me particularmente o distanciamento irónico de alguns jornalistas em relação aos mesmos; bombardeando-os com perguntas sarcásticas, quase como se sentissem ameaçados. A verdade é que o humor é um veículo poderosíssimo para passar certas mensagens, e subestimá-lo não me parece de todo o caminho. Utilizar os meios que se nos apresentam para expressar algo que, de outro modo, se reflectiria em choraminguice e queixumes (ie, a crise) parece-me bastante saudável. Não nos levemos demasiado a sério. Por norma, isso só tende a piorar as coisas. Acho extremamente animador – e daqui retiro o exemplo – que em relação a tempos tão difíceis os portugueses sejam capaz de aclamar uma mensagem positiva e divertida.

Será que os alemães ficariam mais bem impressionados com esta finalista?

terça-feira, 8 de março de 2011

Vacas - Gordura - Morte

Faz mal, entope as veias, e engorda. No entanto, continuamos a voltar a ele, como uma mosca atraída por um pedaço de excrementos canino. De quem falo? Do Mc Donalds, obviamente; uma das maiores armas de sempre no que concerne a arte da manipulação humana. Da qual, confesso, eu mesma sou uma vítima. Admitamos, todos lá damos um pulinho de vez em quando. Nem que seja para tomar um café (que ocasionalmente se transforma em sundae, que se transforma num mega-menu XL combo com triplo queijo e batatas).
Por vezes sinto que a relação psicológica que geralmente a humanidade estabelece com esta cadeia de fast-food será mais ou menos aquela que um bêbado tem com a sua garrafa de whisky. Não que aqui se crie uma relação de dependência tão forte, claro. Mas enfim, suponho que o sentido de degredo seja o mesmo.
Porque tal como o mesmo para o seu copo de whisky, tão reluzente, fresco e apaziguante; é-se atraído para este estabelecimento sempre munido de uma certa incerteza. Caminhamos tranquilamente na rua, regressando do trabalho, suponhamos, quando subitamente a fome aperta. É então que a dúvida se coloca: optar pela solução fácil (o Mac, quase sempre mesmo ali ao lado), ou cozinhar em casa, e não incorrer naquela que é, sem a menor dúvida, uma gigantesca asneira gastronómica? Mas inconscientemente os nossos passos para lá se dirigem, movidos por uma força muito superior. “De qualquer modo, não tenho nada em casa” – dizemos para nós próprios, mesmo que na verdade a nossa dispensa esteja nesse momento a regurgitar os mais saudáveis e verdejantes alimentos.
Chegados lá, como aquele que dá o primeiro gole e sente o liquido estontear-lhe os sentidos, sabe-se que não haverá retorno. Todas aquelas coisas cheias de gordura cheiram maravilhosamente, e dão-nos a espreitar um paraíso calórico repleto de sabores tranquilos e bem familiares. A combinação de molhos parece perfeita, e está ao alcance de cinco euros e um estender de mão. Já todos assistimos aos horríveis documentários sobre as actividades trucidantes e exploradoras por parte das cadeiras de fast-food, nomeadamente esta; já estamos ao corrente de que estes sabores não têm um pingo de natural, e são na realidade fabricados em laboratório… Mas que mal pode fazer uma vez? Só uma vez.
Enchemos a pança com quantidades astronómicas de tudo o que existe no mostruário. Enfardamos, e enfardamos bem, até que a meio do pacote de batatas as coisas deixem de parecer tão maravilhosas como dantes, e um ligeiro sentimento de culpa comece a despoletar, a um cantinho da mente. Mas já que aqui estamos, porque não uma sobremesa. E já que é uma sobremesa, porque não um Mcflurry com extra-chocolate e sprinkles?
Saímos de lá a rebolar, chorando e lamentando o descabido acto. Agora, que o nosso almoço não passa de um monte de pacotes e cascas de aspecto repelente, tudo no Mc Donalds parece terrível: o cheiro nauseabundo a gordura saturada, os alimentos artificiais de providência dúbia, os empregados deprimidos, os adolescentes obesos que serão um dia os nossos filhos, e netos. Como um bêbado que acorda numa valeta, de cara enterrada na sua própria poça de vómito; decidimos determinadamente que esta será a última vez. Mas haverá mais.