domingo, 29 de julho de 2012

Metro,


quatro da tarde. Pessoas por todo o lado, pessoas que não gostam de andar de metro. Eu oiço música, porque assim só presto atenção ao que me interessa. É como uma redoma selectiva, enquadramento paralelo em que os outros só o são através de uma montra. Eles, os manequins cheios de roupa e eu um comprador feliz. Compro o que quero, só isso.
Entro. Gosto de olhar para as pessoas no metro, mas não demasiado tempo. Não sou louca. Nada disso, apenas imagino de onde vêm e porquê esse sofrimento. Porque as meninas mais bonitas são aquelas que parecem sofrer mais, no metro. Enfim.
E têm objectos incríveis no colo, que carregam consigo como grilhões de prisão perpétua. As malas, que não são apenas malas mas biombos de dor, detalhes da vida que levam mas não gostam de levar. Cabelos, pedaços enormes de células mortas, amassados à pressa pelos passos do dia. Os cabelos a cair. As mãos a cair. Os anéis que não querem dizer nada. Estão comprometidas com alguém de quem não gostam, só porque tiveram filhos juntos. Mas só tiveram filhos porque acharam que as coisas assim iam melhorar. E é tudo. E isso é horrível, porque as crianças não têm culpa, mas mesmo assim, às vezes perguntam-se que mal pode fazer, se elas nunca vão chegar a saber. Pois não? Elas nunca vão chegar a saber, ou como poderiam, não há palavras, apenas silêncios. E os silêncios não querem dizer nada. Ou querem.
Mas as crianças sabem e aquelas que vão para a escola no metro também. É fácil distinguir as que sabem das que não sabem. Porque as primeira largam um lastro de dor.
Dá também para distinguir as pessoas que costumam andar de metro e aquelas que lá vagueiam, apenas esporádicas. Primeiro, a Baixa-Chiado, por exemplo, está cheia de esporádicos. Turistas, surfistas adolescentes e yuppies que ficaram sem a carta por andar bêbados no Bairro Alto no fim-de-semana passado. Já no Terreiro do Paço, não. Porque os que vêm de barco do Barreiro não costumam andar de táxi nem a pé. Não há ninguém a carregar o Cartão 7 Colinas, porque todos têm passes. Por que raio haveríamos de andar de barco e depois mais nada, não é? Não andamos a passear, não fazemos isto pelo gozo. Passe, esse documento que implica uma vida inteira metida dentro do metro.
Finalmente, o ar livre. E as formigas espalham-se pelo oxigénio como se não o conhecessem ainda. E como se não tivessem estado encostadas umas às outras, sentindo o suor, o bafo, a dor umas das outras. Roçando-se mutuamente nas suas roupas coçadas. Analisando-se, como todos os animais que se encontram demasiado perto por acidente. É como um grupo enorme de estranhos, todos juntos, num elevador. Adeus, desconhecidos. 

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