- Esta gente quer é fumar ganzas e não fazer nenhum – dizia
ele, com um bom e bem servido copo de vinho na mão.
Era uma casa de classe média alta, cujos proprietários,
felizmente e tal como eu, nunca tinham passado dificuldades financeiras. Não
eram nem mais nem menos inteligentes do que o normal. Não eram nem mais nem
menos extraordinários do que qualquer humano. No entanto, davam-se ao luxo
de moralizar sobre a vida de todo um povo, como se o fossem.
Gritar na rua? Eles deviam era ir trabalhar, eles deviam era
ter tirado um curso de jeito, eles deveriam.
Eles não deveriam fumar ganzas, mas embebedar-se já sim.
Eles não deveriam ser homossexuais, ou pelo menos expor a sua identidade
demasiado livremente. Eles deveriam mas era ir trabalhar, apesar de não terem
emprego, de terem filhos doentes, eventualmente fome, eventualmente
desesperados.
“Eles” - para alguns - têm um laço comum e cabem todos na mesma definição,
já agora: são aqueles que defendem os mais fracos, é fácil.
(E tal como se sabe, todos os que defendem os mais fracos
fumam ganzas.)
É só que às vezes me pergunto quem poderá ainda acreditar
que estamos num bom caminho para qualquer coisa e lembro-me deste tipo de
conversas a que já assisti. As pessoas que defendem o buraco que estamos a
cavar, elas existem.
Não são apenas sombras aqueles que desprezam e generalizam a
gente com quem se cruzam todos os dias.
Eles existem, aqueles que se estão nas tintas para toda a
gente excepto os próprios. Aqueles que não conseguem conceber um estilo de vida
ou uma origem para além da sua. E é contra isso que temos de lutar. Porque a
verdade é simples: eles lutam contra nós todos os dias.
Através dos direitos que nos tiram e dizem nunca terem sido
nossos, através das taxas imaginárias que nos fazem pagar sem termos qualquer
dever de o fazer. Eles lutam.
Tendo em conta de quem nem todos temos as mesmas
oportunidades, tendo em conta que nem todos temos as mesmas qualidades ou
apetências, acredito num Estado justo, que distribua a riqueza
igualitariamente. Não acredito numa sociedade selvagem em que cada um vai por
si, simplesmente porque não partimos todos do mesmo ponto.
E é por isso.
Contra eles, como já foi provado, a passividade não resulta.
E não tenhamos medo de lhes fazer mal, porque eles já provaram que não têm medo
de nos fazer mal a nós.
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