quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Pela milésima vez, não, não sou


Ou serei?

Talvez uma das perguntas que mais se faz aos escritores seja
- Aquelas personagem és tu?

Falta de imaginação, curiosidade, tentativa de perceber para além do texto? Porventura, um misto dos três.
Desfaçamos esta ambiguidade.
A personagem de um romance, seja ela qual for, é sempre o autor. Um esboço ambíguo daquilo que ele seria, ou gostaria ser, ou detestaria e teria pavor. Falo por mim. Desde o velho que diz palavrões para o ar à porta do talho à senhora obesa com o caniche da padaria, somos todos sempre eu. Não é preciso chamar o Pessoa, a esquizofrenia literária é um facto à escala global. Porque eu falo, imagino e faço coisas. Eu sinto, amo  e fodo. Não posso sentir a dor dos outros. Por isso, muitas dores ao mesmo tempo.
Quando ponho alguém a saltar do prédio, ponho-me a mim a saltar do prédio e nesse sentido é sempre o que eu experienciaria. A minha bochecha a esmagar-se no passeio, mesmo que ela nunca se tenha esmagado contra um passeio.
Quando escrevo, vomito as palavras que um dia me aconteceram.

Uma personagem, por outro lado, nunca pode ser eu. Pela simples razão de que ninguém é suficientemente interessante para construir uma figura de ficção. Esta é o fio de uma vida demasiado divagada. Consequência directa do enredo que o antecede, é aquele a quem queremos que aconteçam as coisas interessantes que nunca protagonizaremos. Ele é aquele que queremos que salte do prédio, por isso é preciso arranjar maneira de o fazer subir as escadas, ou o elevador, ou o guindaste.

É aquele que é

(como já tão bem no-lo disseram antes).

Por isso, sim. E não.
E vai ser sempre sim e não ao mesmo tempo. A personagem és tu? É uma pergunta parva, porque sou sempre mas não sou e sou e não sou esouenãosouesouenãomasmasmassouesoumasnãosoumassoumasnãosouesoumasnãosoumassouenãosou. 

1 comentário:

  1. Um dia li isto: 'Somos sempre quatro. O que achamos que somos, o que achamos que os outros acham que somos, o que os outros efectivamente acham de nós e o que somos veramente, independentemente dos achados e dos perdidos.'
    Talvez um personagem nosso seja uma tentativa de sermos o que não fomos ou não sermos o que fomos. Talvez um personagem nosso seja sermos sem sermos.
    Não e parece que a pergunta seja parva; diria antes que é uma pergunta vazia. Responderia que um personagem meu não sou eu mas está dentro do eu que não sabe o que é mas sou eu. Porque afinal somos sempre quatro.
    Agora vou para ali pensar um bocadinho nisto porque estou muito confuso.

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