domingo, 26 de maio de 2013

Se és gaja, é claro que vais escrever literatura light


O cenário é familiar. Conhecemos um homem, retrógrado, normalmente de meia idade, por razões pessoais ou profissionais. Ele pergunta o que fazemos e respondemos que escrevemos. A sua cara ilumina-se com um sorriso de condescendência paternalista – pois chega à conclusão de que somos mais uma a escrever romances de cordel. Imediatamente, podem crer que lhe passa também pela cabeça uma qualquer fantasia em que nos submetemos à sua suposta suprema genialidade – vestidas de secretárias, a receber críticas e repreensões literárias – num javardíssimo misto de desejo de impor a subjugação física e a intelectual.
Nojento e exagerado? Sim. Mas frequente? Infelizmente, também.

Admito, é algo no qual nós ainda temos um pouco de responsabilidade. Não, ao contrário do que se possa dizer, pela nossa natureza feminina inerente, mas por ainda estarmos reticentes em lutar contra uma educação que nos foi impingida, porque tal nos é de um certo modo confortável. Para escrever é preciso não ter medo da exposição e uma das coisas que se ensina às meninas bem comportadas é que elas não se devem expor demasiado. Isso é trabalho dos homens. Arriscar é trabalho dos homens, lutar e trabalho dos homens, sujeitar-se a fazer figuras ridículas é trabalho dos homens. A nós, ainda que nos custe muito admitir, ainda nos pedem para ficarmos em casa, de sutiã e cuecas, a fazer poses sensuais enquanto parimos que nem coelhos e passamos o aspirador pelos sofás da sala. Não me estou a queixar, só a dizer que ainda somos muito educadas assim. Se a libido direccionada para fora do casal, a criatividade e a irreverência nos são censuradas ao longo da juventude, é normal que depois a literatura que produzimos venha a sofrer o mesmo efeito.
Nesse sentido, parece-me normal que ainda haja um número superior de mulheres a escrever textos que se fiquem pela superfície. Como é óbvio, volto a dizer, não me parece que a falta de mulheres na boa literatura se deva a alguma espécie de determinismo biológico. É preciso quebrar a barreira da vergonha e do bom comportamento, admitir que nunca vamos ser um sex-symbol porque nunca vamos ser “misteriosas”: escrever é mostrar as vísceras.
Aí sim, e só aí, vamos deixar de ser umas patetas que falam de passeios de descapotável e cenas de engate à hora do chá.

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