O cenário é familiar. Conhecemos um homem, retrógrado,
normalmente de meia idade, por razões pessoais ou profissionais. Ele pergunta o
que fazemos e respondemos que escrevemos. A sua cara ilumina-se com um sorriso
de condescendência paternalista – pois chega à conclusão de que somos mais uma
a escrever romances de cordel. Imediatamente, podem crer que lhe passa também
pela cabeça uma qualquer fantasia em que nos submetemos à sua suposta suprema
genialidade – vestidas de secretárias, a receber críticas e repreensões
literárias – num javardíssimo misto de desejo de impor a subjugação física e a intelectual.
Nojento e exagerado? Sim. Mas frequente? Infelizmente, também.
Admito, é algo no qual nós ainda temos um pouco de
responsabilidade. Não, ao contrário do que se possa dizer, pela nossa natureza
feminina inerente, mas por ainda estarmos reticentes em lutar contra uma educação
que nos foi impingida, porque tal nos é de um certo modo confortável. Para
escrever é preciso não ter medo da exposição e uma das coisas que se ensina às
meninas bem comportadas é que elas não se devem expor demasiado. Isso é
trabalho dos homens. Arriscar é trabalho dos homens, lutar e trabalho dos
homens, sujeitar-se a fazer figuras ridículas é trabalho dos homens. A nós,
ainda que nos custe muito admitir, ainda nos pedem para ficarmos em casa, de
sutiã e cuecas, a fazer poses sensuais enquanto parimos que nem coelhos e
passamos o aspirador pelos sofás da sala. Não me estou a queixar, só a dizer
que ainda somos muito educadas assim. Se a libido direccionada para fora do
casal, a criatividade e a irreverência nos são censuradas ao longo da
juventude, é normal que depois a literatura que produzimos venha a sofrer o
mesmo efeito.
Nesse sentido, parece-me normal que ainda haja um número
superior de mulheres a escrever textos que se fiquem pela superfície. Como é
óbvio, volto a dizer, não me parece que a falta de mulheres na boa literatura
se deva a alguma espécie de determinismo biológico. É preciso quebrar a
barreira da vergonha e do bom comportamento, admitir que nunca vamos ser um
sex-symbol porque nunca vamos ser “misteriosas”: escrever é mostrar as
vísceras.
Aí sim, e só aí, vamos deixar de ser umas patetas que falam
de passeios de descapotável e cenas de engate à hora do chá.
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