terça-feira, 6 de julho de 2010

O primeiro (dia do resto da tua vida)

Foi em Janeiro do ano passado que tomei a decisão de me dedicar à escrita, iniciando assim o conturbado caminho que levou a este primeiro pequeno e radioso monte de folhas e letras que agora se pode ver.
Estava nesse momento a viver em Amesterdão há alguns meses, completando o trimestre num Mestrado em Direito Internacional. E preparava-me para dar à minha família a noticia mais trágica das suas vidas: afinal a sua querida filhinha já não ia ser advogada, iria sim trabalhar na recepção de um hotel de duas estrelas, e escrever um livro ao mesmo tempo.

Apesar de ter sido útil em termos de formação, é engraçado como sempre encarei o Direito com um certo fatalismo: não era uma área que desejasse necessariamente seguir, mas na qual me arrastava um pouco por inércia, um pouco por pressão familiar. Sempre soube que queria escrever, deixando-me no entanto levar por aquela ideia muito presente entre nós que nos leva a optar por uma base profissional segura, mesmo que a odiemos de morte. E depois, nos tempos livres, se tivermos tempo, aí sim dedicamos um pouco do nosso tempo a fazer o que realmente gostamos. Diz-se muito em Portugal que “ninguém faz o que quer”, e somos levados a acreditar que isso é realmente verdade. Seria?
Acabados os estudos percebi finalmente que o Mundo tinha muito mais para oferecer do que aquilo que eu julgava. Quatro meses a servir à mesa em França e outros sete a viajar pela América do Sul talvez tivessem ajudado à causa. Deparei-me com lugares nunca dantes imaginados, e percebi quão redutor é esse conceito de vida “estável” que predomina entre nós. E as pessoas que conheci... Um que largou tudo para construir um hostel na costa caribenha Colombiana, outro que dava a volta ao Mundo de prancha de Surf, outra que vendia artesanato descalça pelas praias da Venezuela fora… Se estas pessoas tinham modos de vida tão diferentes e eram felizes, o que me impediria a mim de me dedicar de vez àquilo que realmente me dava prazer?

Ainda não completamente convencida, o Mestrado em Amesterdão foi um meio-termo entre fugir à rotina, mas ainda sem coragem para mudar radicalmente. Cedo percebi que era nesta cidade que estava o empurrãozinho que faltava. À minha volta pululavam pessoas energéticas e apaixonadas, que desenvolviam projectos nos quais acreditavam e que estavam dispostos a seguir até ao fim (pasme-se: a maior parte delas gostava, e estava mesmo fascinada, por certas áreas do Direito). E eu, porque continuava ainda a investir numa coisa que não me dava prazer? Não seria melhor admitir de vez o que queria fazer e colocar nisso todo o meu trabalho?

Percebi que a recepção de um hotel seria o lugar ideal para me documentar e começar a esboçar o que seria “Os diários da mulher Peter Pan”. Durante cinco meses trabalhei a tempo inteiro na recepção de um sítio manhoso rodeada de personagens sinistras; chegava a casa tarde para ainda ir ler, escrever, e atender chamadas desesperadas da minha família tentando convencer-me a não largar o Direito (essa “carreira de futuro resplandecente” que eu estava “a dois passos de atingir”…). Durante outros seis meses trabalhei a tempo inteiro num bar, enquanto de dia escrevia. Finalmente, chegada a Lisboa, estive ainda mais tempo a escrever, enviar o livro para editoras, reescrever, fazer cursos de escrita… Resisti a muita pressão por parte daqueles que me rodeavam, e aprendi a apenas dar ouvido ao pequeníssimo número dos que me apoiaram. Digo isto apenas porque acho importante partilhar de onde veio este livro, o enorme esforço que está por detrás dele e que faz que hoje em dia a sua publicação tenha um sabor muito especial.

Claro que é ainda apenas um livro. É muito provável que amanhã ainda volte a servir hambúrgueres e lavar chãos até às 3 da manhã para depois escrever durante o dia. Ainda falta muito trabalho para conseguir viver apenas da escrita. Mas acredito que é possível. Afinal, hoje é apenas o primeiro…

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Peço desculpa por estar novamente a fazê-la gastar o seu precioso tempo, mas de facto adorei este "desabafo".

    Eu também "sempre" tive uma paixão pela escrita. Adoro escrever, (dizem-me que) sei escrever (relativamente) bem e adoro literatura, ler e reler coisas. Também eu ia direccionado para um lado, quando decidi que só seria feliz rodeado de livros e folhas de papel, canetas e lápis afiados. Infelizmente a vida é madrasta, e o que é certo é que hoje encontro-me numa fase difícil, onde me deparo com a necessidade de ter um emprego. Tenho este sonho; e, apesar de nunca ter desistido dele, continua algo precoce e de saúde fraca. Não quero abandoná-lo.

    E ler este texto deu-me uma certa luz ao fundo do túnel, uma confiança em mim quase súbita e uma vontade para acreditar em mim.

    Agradeço-lhe por isso!

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  3. Olá Hugo, obrigada pelo comentario. Desejo-lhe muito boa sorte.

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