terça-feira, 31 de agosto de 2010

Enquanto isso, mesmo aqui ao lado...

Saímos de casa com as chaves do carro na mão, a caminho da praia. Passamos os olhos pela bancada de revistas, e enquanto pedimos uma garrafa de água e um maço de cigarros folheamos as notícias. Uma mulher sem nariz. Um membro do governo discursa demagogicamente sobre a retoma económica portuguesa. Uma mulher sem orelhas. Mais um incêndio em São Pedro do Sul. Uma mulher vai ser morta à pedrada. Nada de novo.

E quem eram aquelas? No caminho para a Costa da Caparica, entre os telefonemas do escritório e a música na rádio, já nem nos lembramos. Ah, nada de novo… Provavelmente só mais uma história de talibãs, coisas que se passam do outro lado do mundo, ao fundo de uma outra vida. Por isso viramos as costas, metemos a mudança, e perguntamo-nos se temos moedas para a portagem.

Mas elas não vão à praia:


Bibi Aisha: foi torturada e abusada pela família do marido, com quem fora forçada a casar. Depois de tentar fugir de casa, o tribunal talibã decidiu cortar-lhe o nariz e as orelhas por ter “ferido a honra da família”.

Sakineh Mohammadi Ashtiani: condenada à morte por lapidação, pelo crime de adultério.

Não nos podemos realmente culpar, pelo menos directamente, por situações como estas passarem ao lado muita gente. Hoje em dia, graças a uma sobredosagem de informação, fazer a triagem pode ser uma tarefa difícil. Sobretudo quando se está cansado após um dia de trabalho que nos sugou a alma, e tornou apáticos em relação ao mundo que nos rodeia. Bibi Aisha e Ashtiani passam facilmente despercebidas no meio de tantas outras notícias sobre os incêndios, quezilas políticas, e o crime-mistério da moda. Talvez a culpa seja um pouco dos órgãos de comunicação social, que dão menos importância ao que se passa lá fora, por muito mais importante que seja. Ou de quem manda neles, e que obriga a que as notícias sejam expostas de uma determinada maneira. Ou nossa, que mandamos nas audiências.
Que as mulheres são, em certos países, torturadas até à morte só por serem mulheres, já não é grande novidade (mas o que eu queria mesmo era saber se o Duarte Lima teve ou não algum envolvimento na morte da senhora Rosalina Ribeiro, e por isso mudo de canal).
Se temos acesso a um certo nível de vida, há que tomar consciência de que, a não mais do que seis horas de voo de onde nos encontramos, outros seres humanos estão a ser sujeitos a condições degradantes, pelo simples facto de terem nascido com o sexo “errado”. Na era da informação, com os meios que temos ao nosso dispor, cabe a cada cidadão divulgar estas situações para que elas não se arrastem.


Para quem tem dúvidas em relação ao que é a morte por lapidação, começa assim.

2 comentários:

  1. Ola Teresa!
    Adorei este comentario porque me passa exactamente o mesmo pela cabeça regularmente. Recebo noticias destas mulheres na revista da Amnistia, recebo apelos de ajuda, mas sinto-me impotente face ao que se passa, sabendo que nao sera uma carta ou um mail que fara a diferença.
    Se tiveres alguma ideia para um movimento mais activo em defesa destas mulheres, conta comigo! Sinto que e´ nosso dever, mulheres ocidentais livres, ajudar as que ainda precisam... Mas como tornar essa ajuda realmente efectiva?
    Beijinhos!

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  2. Olá Joana!

    Obrigada pelo teu comentário.
    Se trabalhas na Amnistia, se calhar já terás ouvido falar em organizações como a UNIFEM, empenhadas na questão a nível global.
    E o que existe depois são alguns projectos locais. Pessoalmente, e relativamente a isso, penso que a educação é a melhor arma silenciosa que se pode oferecer a estas mulheres.
    Para os que estão longe, no entanto, resta-nos apelar à consciencialização.

    Boa sorte, e beijinhos.

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