segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O maior loser

O calor aperta, e é nesta altura que surgem inevitavelmente os mais profundos dramas relacionados com a forma física, ou com a falta dela. Se, durante o resto do ano, o nosso corpo pouco trabalhado se conseguiu esquivar da luz do dia graças às generosas camadas de tecido, o Verão chega impiedoso, e vem impossibilitar qualquer disfarce. Rebentou a bolha de negação, feita das camisolas, que tão amorosamente nos envolveu estes meses todos; e somos obrigados a enfrentar a realidade: já lá vão longe os tempos de adolescência. A nova geração é um exército de gafanhotos bronzeados, com mais meio metro e menos dez quilos do que nós.
Por isso atiro com o biquíni para o fundo do armário, e decido que o mundo lá fora é demasiado duro para mim. Arrasto-me, de chinelos e pijama da Hello Kitty, para a sala. E decido passar o dia em casa a ver televisão, com o objectivo final de me transformar numa almôndega. Acompanham-me uma tablete de chocolate e dois pacotes de batatas fritas. Pelo menos eles não fazem perguntas.
Mas eis senão quando, entre a Oprah e o Doctor Phil (sim, eu tive o cuidado de escolher, como modelos visuais, outras pessoas menos atraentes do que eu; faz-me sentir melhor como ser humano), me deparo com isto:



The Biggest Loser é um concurso no qual os vários participantes, homens e mulheres que sofrem de obesidade, estão dispostos a perder cerca de trinta quilos no espaço de algumas semanas, com o objectivo final de ganharem uma pipa de massa, e um corpo decente (além da esperança de, afinal, morrerem um bocadinho mais tarde). Quem os vê, e quem os vir nas emissões finais (sim, sim, eu vi) reconhecerá que o programa realmente funciona, e os finalistas retornam a casa praticamente irreconhecíveis.

A ideia que resta por detrás disto tudo é que aqueles que secretamente usávamos como referência/desculpa para não fazermos exercício físico nem dieta – “Pelo menos não sou assim. Olha, aquela pessoa faz 5 de mim. Ainda tenho um longo caminho a percorrer para me tornar gordo/a, etc” – deixam de o ser. Tudo graças ao poder da motivação (e, como é o caso, talvez também à perspectiva de ganharem o prémio final de 200 000 dólares).
Eis, portanto, algo capaz de agitar as nossas consciências preguiçosas, e de suscitar dúvidas existenciais naqueles que já tinham aceite com tranquilidade a derrota na luta contra o poder da gravidade, como consequência inevitável do decorrer dos anos. Não vale a pensa inventar mais desculpas, porque até estes conseguem mexer os rabos das cadeiras. O dedo acusador do ecrã aponta directamente nesta direcção, e não há esquiva possível. Eles fizeram-no, e, agora, já não há razão para não o fazermos.
Se foi a sociedade de consumo, aliada à globalização, que nos transformou numa população de obesos devoradores de Mc Donalds? Foi. Mas também vai ser ela a transformar-nos num batalhão de clones do He-man.

1 comentário:

  1. gosto do artigo..parabéns pelo blogue (excelente na análise dos assuntos da nossa sociedade)

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