quarta-feira, 22 de setembro de 2010

As amigas porteiras

É frequentemente dito por portugueses que habitam outros países, à laia de queixume, que viver numa grande cidade europeia pode ser uma experiência difícil e solitária; por os seus habitantes serem muito mais metidos com eles próprios, e pouco afáveis para com os desconhecidos, do que nós. Não é estranho escutar, para esse efeito, algum comentário indignado, tal como: “Vivi três anos no mesmo apartamento em Paris, e nunca conheci os meus vizinhos!”. Assim ilustrando até que ponto é “frio e insensível” o clima nessas cidades; por oposição a Portugal, um pequeno país em que toda a gente se conhece.
Ora, eu não vejo mal nenhum no facto de alguém nunca ter conhecido os seus vizinhos. Vivendo em Portugal, conheço os meus, e não se pode dizer que seja uma pessoa mais feliz por isso. Bem vistas as coisas, até preferia que muitos deles fossem “frios e insensíveis”.

Vivo numa rua em pleno centro de Lisboa, dominada por uma sociedade paralela de porteiras, a cujos olhos perscrutadores e ouvido afinado nenhum pormenor escapa, e que conhecem a história de vida completa de cada um dos moradores. Andam aos pares - como polícias à paisana - chinelando sinuosamente e bamboleando os seus largos traseiros pela rua, ao mesmo tempo que trespassam os transeuntes com o olhar, e limpam ao avental as mãos sujas de cozido. Algumas possuem mesmo um banquinho instalado em pleno passeio, no qual se sentam o dia todo, para melhor contemplar o que se passa, ao mesmo tempo que murmuram comentários umas para as outras. Dando, claro, uma ocasional olhadela nas revistas de intrigas cor-de-rosa.
Posto isto, há também o cabeleireiro, ao virar da esquina. Mas suponho que, para os interessados, esse não seja uma fonte de informação tão segura. Pois, apesar dos louvados esforços das suas diligentes funcionárias, as informações por estas últimas providenciadas são susceptíveis de estarem incorrectas. De facto, da última vez que lá fui, houve uma senhora que me perguntou como é que estava o meu filho (e eu não tenho filhos).
Existe também o café, o ponto de encontro por excelência da coscuvilhice, no qual são passadas em revista as últimas notícias do bairro. Os empregados escutam atentamente a conversa, e vão por sua vez fazer o briefing às porteiras, ou às cabeleireiras, assim democratizando o acesso à informação na zona. Não é de estranhar, portanto, que o morador venha a saber (mesmo não o querendo) da vida de pessoas que não conhece, e pormenores sobre indivíduos com os quais não partilha, nem faz tenções de partilhar, a mínima intimidade.

Porque na minha rua, eu sei perfeitamente quem são os meus vizinhos (assim como quantos filhos têm, as respectivas profissões, e as vezes que mandar arranjar a casa de banho), mas devo dizer no entanto que isso não contribui em nada para a minha felicidade.
Depois de viver um ano e meio em Amesterdão, nunca soube quem eram os meus vizinhos. Mas também não se ouviam sussurros, nem comentários cada vez que algum deles passava. Em Amesterdão, os empregados do restaurante em frente não conheciam os senhores da Farmácia ao lado. Mas se algum laço se estabelecesse entre eles, não seria porventura para dizerem mal ou se queixarem uns dos outros, mas sim uma relação cordial ou uma amizade.
É assim tão negativo viver numa sociedade com limites pessoais de respeito mútuo, na qual a vida dos outros não possui grande importância para o nosso desenvolvimento pessoal?

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