terça-feira, 7 de setembro de 2010

Mission: reisgawté.

Qualquer drama da vida real é susceptível de inspirar um ambicioso produtor de Hollywood, e, como tal, parece-me que já se tornou óbvio que mais cedo ou mais tarde a história dos 33 mineiros chilenos soterrados a 700 metros de profundidade não tardará a ser explorada, num mega-blockbuster internacional.
Com efeito, há que reparar que esta tragédia, não obstante o facto de ser manifestamente um autêntico terror para aqueles que a vivem, tem todos os ingredientes para aqueloutros, que nela vêm uma possível galinha dos ovos de ouro cinematográfica.
A própria comunicação social não tardou, nesse aspecto, a fazer o seu papel. Já nos pôs a par das pequenas curiosidades relativas aos protagonistas deste lamentável acidente, através de reportagens sobre o dia-a-dia das mulheres dos ditos cujos, mostrando fotografias do mais novo e do mais velho dentre eles, e explicando quem são os engenheiros da NASA que os irão salvar.

O filme vai ser bastante simples de realizar, até porque grande parte do enredo se constrói por si só.
É claro que a trama não começa no Chile, como seria de supor caso a produção viesse a ser outra, mas em Nova Iorque. Estamos em casa de Jack, um bonito e bondoso engenheiro da NASA, que vive com a mulher, filhos, e cão, que gostam todos muito dele. Inesperadamente, é chamado para uma missão dificílima: resgatar 33 mineiros soterrados. É o único que o poderá fazer, pois apenas ele possui a técnica e a coragem necessárias. Para isso, terá que se deslocar a uma terra muito distante e desconhecida, que é deveras atrasada, e que precisa urgentemente da ajuda americana: o Txeeléi.
Despede-se da família, ao som de uma orquestra, e segue viagem, de cabelo ao vento. Ao chegar, depara-se com um cenário catastrófico: pobreza, corrupção, violência. E, claro, graças ao teor impuro da água, apanha logo uma valente dor de barriga. Mas nada para o bravo Jack.
É só aqui que se começa a contar a história destes povos misteriosos dos quais nunca ninguém ouviu falar. E dos trabalhadores que, por obra de uma empresa mineira corrupta e mal qualificada, ficaram soterrados a 700 metros de profundidade. A imagem destes homens é, obviamente, mostrada através de uma visão imperialisto-colonialista, graças à qual aparecem como gente rude e pouco desenvolvida. O que não será muito difícil de fazer, já que eles estão a viver numa gruta.

Surge a necessidade de explorar a história do ponto de vista humano, mostrando o drama da sobrevivência do mais novo e do mais velho dos mineiros. O mais novo, Juanitow, é um jovem de 16 anos que tem uma vida inteira pela frente, caso consiga escapar vivo. A mãe e a irmã chorosas sofrem por ele lá em cima, sendo que o seu pai já tinha em tempos falecido num acidente do mesmo tipo. O mais velho, Carrlows, é um homem bravo e calmo, velho índio paternalista, que acaba por exercer essa mesma função junto de Juanitow, e os dois tornam-se grandes companheiros. Tem a sua mulher lá em cima, que chora, juntamente com a família do mais novo.
Ao acompanhar o drama destas famílias, Jack começa a criar um laço emocional com elas (isto é ilustrado pelas cenas em que ele tenta mostrar às mulheres como falar com os mineiros através de vídeo-conferência, caso em que terá também de explicar o que é um vídeo, o que é um microfone, o que é um computador, etc). Assim sendo, começa a perceber que os chilenos são “pessoas como ele” que “também têm sentimentos”. O pequeno Juanitow, por exemplo, com o seu espírito vivaz e esperto, faz-lhe lembrar o seu próprio filho, Jack Jr, que ficou em Nova Iorque.
E, graças às suas extraordinárias qualidades didácticas, Jack consegue ensinar o jovem Juanitow e o velho Carrlows a ler e escrever, através de vídeo-conferência.

Assim cresce a necessidade de salvar estes pobres homens. Mas o atrasado governo deste país (de cujo nome, entretanto, já ninguém se lembra), e os seus corruptos dirigentes, são incapazes de o fazer sem a sua ajuda. Assim Jack apressa-se em construir a sua super-broca-mega-potente que irá perfurar as rudes terras andinas, penetrando heroicamente no subsolo em busca dos mineiros. E justo na altura em que pensava que iam todos morrer, incluindo ele próprio, eis que aparece, por entre os escombros de terra empedrada, a cabeça do pequeno Juanitow, assim como a do Carrlows. A orquestra recomeça a tocar.
Fazem todos uma grande festa para celebrar o sucesso desta missão, abraçando-se e chorando copiosamente; comem enchilladas e bebem tequilla, mesmo se isso são coisas tipicamente mexicanas.
E no fim Jack regressa a sua casa, levando como lembrança presentes oferecidos pelas mulheres dos mineiros: uma piñata e um sombrrerow.

1 comentário:

  1. Simplesmente genial. Escrita fluída e com uma excelente dose de um humor requintado.
    Parabéns.

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