sábado, 23 de outubro de 2010

Vou contar-te um segredo: és um débil mental.


Foi despedido, e anda aflito para ganhar uns trocos? Não passou no casting dos Morangos com Açúcar, por ser demasiado velho/feio? Ainda há esperança para si: inscrever-se na Casa dos Segredos, um dos shows televisivos mais enfadonhos e deprimentes do Universo.
Os Reality Shows da TVI são mais ou menos como aqueles monstros dos desenhos animados, a quem por muita tareia que se lhes dê, nunca morrem. Apenas voltam a ressuscitar, gemendo e urrando, erguendo-se, entre raios e trovões, da lama e das trevas, sob diferentes e inventivas formas.
Desta vez, cada concorrente tem um segredo, que tenta esconder dos demais. Na sua essência, o conceito, e a ideia por detrás dele, são os mesmos de sempre: uma telenovela minimalista da vida real (digo minimalista, por referência aos custos de produção) em que os concorrentes se entretêm a não fazer absolutamente nada durante vários dias.
Não concordo, no entanto, com aqueles que acham que os protagonistas deste espectáculo são uns pobres pacóvios sem noção do ridículo. Recuso-me também a ver nisto, como alguns, um “símbolo paradigmático da decadência de uma sociedade que se alienou a todos e quaisquer valores morais”. Voyeurismo e freak shows sempre os houve, e pessoas que fazem tudo por 15 minutos de fama, também.
Na verdade, tenho a dizer que, tendo em conta o estado actual do país, até percebo estas pessoas, e concordo com a sua escolha.
Se vivesse num mísero apartamento em Tercena, onde ganhasse 500 euros a trabalhar 60 horas por semana, fosse tratada abaixo de cão pelo meu patrão e o meu marido me batesse, os meus vizinhos fossem dealers e o meu quarto tivesse fissuras no tecto e pingasse dos canos, e o banco ameaçasse penhorar a minha casa; de bom grado aceitaria porventura mudar-me para uma grande, solarenga e bonita vivenda em que pudesse passar o dia a não fazer nenhum, à conta de um canal privado de televisão. Défice? Não, aqui ninguém ouviu falar disso. Aliás, aqui o ambiente é bem mais jovial. Como não se tem acesso ao exterior, não se é constantemente bombardeado pelos quilos de notícias alarmantes e reportagens suicidárias sobre a crise económica.
Também admiro a capacidade dos telespectadores, que conseguem estar duas horas a olhar para um ecrã em que nada acontece, para além das tentativas desesperadas dos apresentadores para criar intrigas entre os vários protagonistas, e das vidas extremamente desinteressantes dos mesmos. Não os censuro, se a alternativa são os telejornais, que se limitam a consistir num desfile diário de imagens de políticos em trocas de demagogias nas quais já ninguém acredita. Lamento que o espaço informativo em Portugal seja tão limitado. Mais tempo para outro tipo de informações, como as internacionais, seria sem dúvida passível de despertar o nosso interesse, e abrir-nos os olhos para algumas questões importantes, em vez de nos fazer cair na tentação de ver lixos televisivos.
Como é óbvio, programas como a Casa dos Segredos preenchem na perfeição a função de droga de alienação mental, em relação a questões, como a crise, que tememos mas que não podemos resolver. A verdade é que, entre o Sócrates e uma stripper descolorada de 40 anos, pelo benefício da dúvida, há uma tendência generalizada para preferir a segunda.

2 comentários:

  1. Genial, Teresa!!
    Efectivamente, entre programas dessa estirpe e os cada vez mais deprimentes telejornais, venha o Diabo e escolha... É por isso que eu nem critico muito os portugueses que absorvem os reality shows... sempre são umas horas que passam abstraídos do triste quotidiano, a rir ou a chorar a vida dos outros, esquecendo a própria.

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