quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Se não podes vencê-los, junta-te a eles

“- Vamos correr?
- ‘Bora.
- Para onde?
- Para a praia!”
Parece uma ideia genial, não parece? Mas não é.

Primeiro erro estratégico: “vou cedo, para apanhar a praia vazia”.

Já pintava o cenário idílico de um areal extenso, a costa serena e límpida, e escassos banhistas aqui e ali, começando a surgir por entre as brumas matinais.
Mas a minha ingenuidade, constato, não tem limites, no que toca a planos lúdico-desportivos estivais.
Sou também levada a concluir que a minha ideia de “cedo” pode ser o “normal” dos outros (e, assim sendo, eu não sou uma pessoa normal).

Penetrava eu nas belas dunas, quando, em vez da célebre maresia que tanto enche os pulmões de oxigénio, fustigou-me as narinas um cheiro a lula frita e cebola refogada. Mas não me deixei derrotar. Depois de meses de vida sedentária, decidira revoltar-me, e obrigar-me a praticar o desporto de que todos necessitamos. E sim, é Verão, como tal há que aproveitar ao máximo os atributos do nosso clima. O facto de não ver o mar há quase dois meses chocava a adolescente fútil de cujos vestígios sobrevivem moribundos em mim, que se queria bronzeada e saudável, e para quem a desculpa “estou cheia de trabalho” não servia.

Na areia, lutando para encontrar espaço para a toalha, constatei que o horizonte se desdobrava em centenas de guarda-sóis coloridos. O cheiro a lulas misturava-se agora com um aroma a suores mistos e cremes solares. Instalei-me ao lado de uma família de emigrantes luso-franceses, e escutando o som do seu radiofone a pilhas da última geração, suspirei. No ranking de cenários idílicos, este não estava certamente entre os primeiros.
Mas ia correr, disso ninguém me podia impedir. A parte da motivação estava ultrapassada, e agora seria demasiado mau perder o momentum.
Dei então início a uma gincana que se poderia comparar a uma prova de equitação olímpica, versão Ser Humano. Para avançar dois metros tinha de saltar por cima das senhoras brancas e volumosas sentadas de chapéu à beira-mar, das crianças semi-nuas que corriam suicidáriamente na minha direcção, e desviar-me das barrigas proeminentes de alguns banhistas mais adeptos da lula guisada. Sentia que estava num jogo de computador, em que eu era o desafortunado personagem principal. E não estava a passar de nível.

Será que a população portuguesa triplicou nos últimos meses? Perguntei-me.

Ou será simplesmente que, no Verão, o português comum passa cem por cento do seu tempo na praia, como se fosse outro trabalho qualquer, ao qual ele sente a necessidade de se dedicar com o mesmo afinco? A segunda, penso, é a resposta correcta. Por isso, resolvi não ir contra o sistema. Afinal, eu também sou portuguesa. No meu próximo dia livre, não vou esquecer que às nove em ponto tenho de estar na areia, mas não para correr. Na mala do carro levo o guarda-sol e a lancheira com sandes de rojões e minis. Faço também questão de levar a cadeira desdobrável, e os putos (que não tenho, mas arranjo uns). O desporto, esse, fica mais para Setembro.

1 comentário:

  1. Jovem que dá os primeiros passos no mundo da literatura cheia de talento e de força anímica. Continue. Afinal quem somos nós se não fizermos o que nos dita o nosso mais íntimo, o nosso omphalós? Parabéns!

    Raúl M.

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