sexta-feira, 16 de setembro de 2011

“De qualquer maneira, não há democracia em país nenhum”

Já todos ouvimos este tipo de argumento em algum lado. É a última instância do debate contra o apoio internacional da revolta nas oligarquias e ditaduras do mundo árabe. O que se passou na Líbia foi o exemplo mais recente.
Aquilo que foram manifestações relativamente pacíficas em países como a Tunísia ou Egipto, no desembocar das quais os seus lideres aceitaram a derrota com (relativa) facilidade; não aconteceu na Líbia. Aí, vimos um louco disparar desalmadamente sobre os civis desarmados, achando que, desta vez também, obteria o fechar de olhos da comunidade internacional.
Ora é, obviamente, uma hipocrisia ver aqueles que tinham pactuado com Khadafi, sedentos do seu petróleo, agora condená-lo tão veementemente, apenas pela mesma razão – vide a França. Mas será que por isso devia deixar de haver intervenção? Olhemos para nós. Embora em situações muito diferentes, há sempre paralelismos que se podem fazer. Caso o 25 de Abril tivesse sido conseguido graças a interesses de fora, isso tê-lo-ia, automaticamente, deslegitimado? É uma pergunta difícil, mas a resposta parece-me ser, apesar de tudo, não. Aliás porque, quer queiramos quer não, todas as revoluções têm o apoio de interesses que nada têm que ver com os motivos oficiais das mesmas. É a vida.

No terreno, estamos a falar de pessoas. Eram pessoas em desvantagem considerável, que estavam a ser massivamente reprimidas e assassinadas. A única coisa que queriam eram viver num pais onde a sua voz fosse ouvida, e onde pudessem ser eles a escolher o seu próprio regime. Podem dizer o que quiserem sobre os motivos, mas a verdade é que a NATO os ajudou, pelo menos a vislumbrar a hipótese de um futuro diferente e melhor. A visão maniqueísta do mundo segundo a qual “os maus” (os americanos, e quem estiver com eles) estão a tentar lixar “os bons” (quem quer se seja que esteja contra os americanos) parece-me ultrapassada. Nada é assim tão simples.
Mas é aqui que entra o argumento dos iluminados, segundo os quais “de qualquer maneira, não há democracia em país nenhum”. “E nós também não vivemos numa democracia, ou achas que sim? – dizem eles – Não, isto está tudo controlado, somos todos uns fantoches”. Que não vivemos numa democracia completa, eu aceito; que somos muitas vezes controlados por organismos que na verdade não elegemos, também. Mas esquecem-se de que os líbios estavam numa situação muito pior do que a nossa, vivendo em situações muito mais desigualitárias; e argumentar que eles não têm direito a querer uma democracia só porque “de qualquer maneira, não há democracia em lado nenhum” é de um egoísmo tremendo. O facto de acharem que a democracia é uma farsa – como pode por vezes ser – não impede que não se possa lutar por ela. Se nós lutámos, não há diferença nenhuma em que os líbios também o façam. Ou serão os árabes vitimas de uma terrível e misteriosa especificidade (genética? Só faltava) que os impede de tentar ter o que nós temos? Não, porque nós não somos os únicos que têm direito a querer um futuro melhor.

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