quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

"Escrever é arriscar pessoas"*

É viver numa fantasia imaginada em que o escritor, dono do seu minúsculo universo, constrói muros de pensamentos em volta de si mesmo. E não pode deixar ninguém entrar. O escritor é estranho e desastrado. Por alguma razão escolheu escrever em vez de falar. O escritor – na vida real – não sabe dançar e choca contra a mobília, por isso brinca com as palavras e se torna, delas, companheiro.
Quando chega a altura de abrir as portas e publicar, há um paradoxo que se cria, abismo entre o prazer e a dor. Porque nessa altura sabemos que aquela criatura sagrada que tão amorosamente erguemos já não vai ser mais nossa, mas sim de outros que a vão interpretar, torcer ou, pior que tudo, ignorar. E embora queiramos que o livro chegue aos outros, haverá sempre uma parte de nós que gostaria de o manter no pó das gavetas, ou no fundo de uma lista de documentos Word; para que ele ficasse sempre puro, para que ele ficasse sempre nosso.
Escrever é arriscar pessoas porque, quando elas falam, nós nunca estamos realmente ali. Mas sim a imaginar e a maquinar outras maneiras de construir paredes de ideias à nossa volta. A arte criadora é também a arte da abstracção e por isso, penso, nunca fui boa a matemática.
Ser-se artista é, por vezes, acharem que somos burros, por darmos respostas que tanto fogem à realidade do momento.
Escrever é trabalhar aos fins-de-semana, é recusar convites para tudo, porque o escritor não tem uma vida normal, de pessoa, pelo menos aquele em início de carreira. A escrita não dá logo dinheiro e como tal é preciso ser-se malabarista com o tempo. É não sorrir quando alguém nos diz “amanhã é feriado” porque não há feriados. E quando há é, provavelmente, mau sinal.
Escrever é não se importar de exercer actividades ditas menos dignas, se isso implica a possibilidade de depois se sentar dois dias inteiros ao computador. Encontrar a felicidade nos locais menos esperados e nunca parar de aprender. É gostar dos ditos marginais, iletrados e escorraçados; porque eles têm realmente histórias para contar. Não ter nada a esconder, porque está tudo bem ali.
É não saber bem o que responder quando nos perguntam: o que estás a fazer? Porque o momento da criação não é definível.
Ser-se considerado maluco antes de publicar o primeiro livro, porque ninguém acredita num escritor antes dele o ser. É perder amigos mas ganhar outros muito maiores. Construir personagens de pessoas que se conheceu longe na vida e que nunca o vão chegar a saber. E se souberem, não o sabem, porque isso não é totalmente verdade.
E por isso escrever não é para todos. E sim, arriscar tempo, dinheiro, saúde e pessoas. Tudo para aquele pequeno momento em que as coisas passam a valer a pena. Um minúsculo e apoteótico minuto que é o culminar de tudo aquilo por que se luta.


* parafraseando Robert Mckee

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