segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Jack... Perdão, José

Martin Amis escreveu, no prefácio do seu recolho de ensaios The war against cliché, a propósito da falta de reconhecimento de talento na sociedade contemporânea: “ You can become famous without having any talent (by abashing yourself on some TV nerdothon: a clear improvement on the older method of simply killing the celebrity and inheriting the aura).” Mal sabia ele até que ponto essa afirmação se iria tornar verdade, no nosso caso, com o alegado Estripador de Lisboa (aquele que mais recentemente se acusou como tal).
Sem me querer delongar demasiado, com o risco de parecer repetitiva, nesta questão dos homicidas desajeitados, é-me, no entanto, impossível deixar comentar aqui a história de José Pedro Guedes. Esse modesto operário de Matosinhos, um homem de pequena estatura, mas grandes ambições, que um dia teve o sonho de mudar o mundo.

Diz José Pedro que queria acabar com a sujidade que via nas prostitutas. Nas suas próprias palavras: «Não conseguia dormir, fechar os olhos, sem estar a pensar que estava a fazer aquilo, a estripar, a abri-las, esfarelá-las até à morte».
(Gosto, particularmente, desta palavra: “esfarelar”.)
Parece que tudo começou quando a sua mãe o abandonou enquanto criança pequena. Ele sentiu uma grande raiva em relação a isso, como seria normal. Mas, em vez de se meter na droga, bater na mulher ou tentar tornar-se numa estrela pop mundialmente conhecida para compensar a falta da amor, optou pela solução mais simples e directa: desatar a matar.
José Pedro tinha um sentido de justiça particularmente aguçado, ele era, no fundo, uma pessoa higiénica, com necessidades de limpeza e noção estética muito acima da norma. Seria certamente reconhecido pelos seus méritos, se tivesse nascido na Idade Média.
Algo correu, no entanto, mal para José Pedro. É que ele tinha um filho, que sabia do seu pequeno plano. E que, movido pela cegueira da potencial fama que tal informação lhe poderia valer, resolveu inscrever-se no programa Casa dos Segredos, com, nada mais nada menos do que o segredo “Sei quem é o Estripador de Lisboa”. (Gostava que isto fosse uma piada, mas não é.)
“Assim, sim – pensou ele – Com este segredo tão original, certamente vou dar nas vistas.” E, de facto, deu.

Os mais puristas argumentariam que a TVI foi altamente injusta ao denunciar este rapaz, cuja ambição desmedida levou a sacrificar o amor familiar em prol dos 15 minutos de fama. Que podiam tê-lo deixado participar. Que podia ser que ele tivesse herdado o jeitinho do pai e alguma coisa de realmente interessante se viesse finalmente a passar naquele programa.

A mim, há apenas uma coisa que me irrita no meio disto tudo. É a clássica reportagem, por partes das televisões, que nunca falta, na qual os vizinhos se mostram muito surpresos com o facto deste senhor “tão correcto e educado” ser eventualmente o Estripador de Lisboa. “Nós nunca imaginaríamos, uma pessoa tão respeitadora, um vizinho exemplar...” etc, etc, etc.
Já chega. Por uma vez, gostaria de conhecer um assassino em série que não fosse um vizinho “correcto e educado”. Por uma vez, seria interessante ouvir senhores a dizer que bem lhes parecia, aquele sem vergonha que andava aos pulos pela casa às tantas da manhã, e não deixava os outros dormir. Não falava nem cumprimentava ninguém. Que sabiam, que sempre suspeitaram, aquele ordinário que não pagava o condomínio andava a tramar alguma. Ainda no outro dia tinha deixado cair umas peúgas molhadas em cima do estendal de um deles.
Isso, sim, seria notícia.

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