quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Ema, ou o começo de tudo


Lembro-me de um professor corcunda. Não era muito velho, usava óculos de aros prateados e diziam que era bicha (a homofobia era bastante aceitável entre os miúdos naquela época). Não nos deixava jogar ao stop nas aulas e tinha uma maneira muito peculiar de imitar a Lady McBeth – give me ze zaggersss, dizia ele, fingindo agarrar um par de punhais no meio da noite trovejante. 
Foi, também, a primeira vez que li Madame Bovary.

Não retive nada. Sim, havia vaga noção de que era sobre uma mulher que traía o marido, mas não será esse o caso com a maior parte dos romances franceses do meio de século xix para baixo? Na altura, parecia. Interessavam-me sinceramente mais os escaravelhos gigantes a sair envergonhados de baixo de camas, jogadores de xadrez compulsivos e outras coisas que os franceses tanto gostavam de nos fazer ler, mas que não eram francesas. Assim, com Kafka e Zweig mesmo ali ao lado, Flaubert ficou apenas perdido no meio dos Moliére, Apolinaire e outros tantos também acabados em "érre".
Treze anos depois, considero o meu eu adolescente com um certo desprezo. O critico literário James Wood diz-nos que o escritor deve agradecer a Flaubert do mesmo modo que o poeta agradece à primavera: tudo acontece de novo com ele. De facto, assim o é. Ler Madame Bovary deve equivaler a dois anos de vida literária. Já que, mais de um século e meio depois, ainda há autores que lhe são influenciados pelo estilo. Acabei de ler o livro pela segunda vez, com a noção de que grande parte daquilo que vemos em literatura moderna vem daqui. Reler os clássicos permite-nos, de facto, entender tudo muito mais facilmente.


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