Lembro-me de um professor corcunda. Não era muito velho,
usava óculos de aros prateados e diziam que era bicha (a homofobia era bastante
aceitável entre os miúdos naquela época). Não nos deixava jogar ao stop nas
aulas e tinha uma maneira muito peculiar de imitar a Lady McBeth – give me ze
zaggersss, dizia ele, fingindo agarrar um par de punhais no meio da noite
trovejante.
Foi, também, a primeira vez que li Madame Bovary.
Não retive nada. Sim, havia vaga noção de que era sobre uma
mulher que traía o marido, mas não será esse o caso com a maior parte dos
romances franceses do meio de século xix para baixo? Na altura, parecia. Interessavam-me
sinceramente mais os escaravelhos gigantes a sair envergonhados de baixo de
camas, jogadores de xadrez compulsivos e outras coisas que os franceses tanto
gostavam de nos fazer ler, mas que não eram francesas. Assim, com Kafka e Zweig
mesmo ali ao lado, Flaubert ficou apenas perdido no meio dos Moliére, Apolinaire
e outros tantos também acabados em "érre".
Treze anos depois, considero o meu eu adolescente com um
certo desprezo. O critico literário James Wood diz-nos que o escritor deve
agradecer a Flaubert do mesmo modo que o poeta agradece à primavera: tudo
acontece de novo com ele. De facto, assim o é. Ler Madame Bovary deve equivaler
a dois anos de vida literária. Já que, mais de um século e meio depois, ainda
há autores que lhe são influenciados pelo estilo. Acabei de ler o livro pela
segunda vez, com a noção de que grande parte daquilo que vemos em literatura
moderna vem daqui. Reler os clássicos permite-nos, de facto, entender tudo muito
mais facilmente.
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