quinta-feira, 16 de maio de 2013

Palácios instáveis


Ela era diferente das outras – pensou M., vendo o seu corpo estrebuchante no escuro. Analisava, a cada compasso corporal, cada canto de pele na cinza intermitente de um nada-é-proibido. Ele agarrava-se a morder os lábios, deitava a cabeça para trás numa expressão que lhe descobria as rugas; e nunca, mas nunca, jurava, o tinha visto fazê-lo com tanta força. Juntou os joelhos e coçou-os, nervosamente. Depois, decidiu-se a fazer o que sempre fazia, sem no entanto desta vez descobrir em si o prazer de um domínio costumeiro, do alto do seu trono de madeira. Apenas uma vaga noção de que algo estava para rebentar. Eles continuaram, foi à cozinha buscar mais vinho.
- Vou sair – sussurrou, finalmente, pela porta entreaberta.
- E voltas?
- Sabes que sempre.
Os copos e os sons, na multidão-escuridão. Arrastas-te, como as cadeiras, sobre as mesas os risos espalmados. Amanhã, serás melhor, mas por enquanto transitas seminua pela tua própria inconsciência. Espremes cigarros, agarras o gelo com força mas ele cai, vomitas lentamente, contra a parede. De que é que estavas à espera? Foste tu. Foste tu tudo isto. 

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