Admito que nunca fui muito fascinada por cozinha. Até agora,
altura em que decidi começar uma dieta mais saudável, a minha alimentação
diária baseava-se muito no pão com queijo e em casos de maior inspiração,
pizzas. Adoro pão, pronto, por isso nunca me fez espécie viver assim.
Da carne, então, sempre tive um certo pavor. Cozinhada por
mim, sabe-me muito concretamente ao animal morto em questão. Deve ser do
processo de ter de pegar nele ainda cru, adivinhá-lo enquanto vivo e outras
divagações criativas que tais que, antecedendo o momento da refeição, não a
tornam propriamente ideal. Mas a minha vida tinha de mudar, decidi, não queria
ser mais a Teresa Pão com Queijo.
Não podia ser.
Como continuava a detestar a carne embalada (por mais
condimentos que lhe adicionasse, o animal continuava ali, a espernear-me entre
os dentes) comecei a seguir o conselho sábio da minha avó de ir Ao Talho. E
descobri um mundo maravilhoso. Claro que para as pessoas normais isto deve
parecer completamente estúpido, mas a verdade é que eu nunca tinha ido Ao Talho.
Como disse, produtos embalados e pão eram a minha cena. Quanto menos as minhas
mãos tocassem na carne, melhor e nunca ter de o fazer era o ideal.
É que se constrói ali todo um novo tipo de relação humana.
Temos alguém, geralmente um homem, que também se assemelha a uma figura
paternal, gordo ou pelo menos possante. Muitas dos clientes sabem o nome dele,
que clamam com submissa alegria, esticando o tickezinho com o respectivo número.
Não parece possuir hábitos de higiene muito regulares, no entanto enfia as mãos
na nossa comida com o máximo das displicências, ao mesmo tempo que nos aborda
com um ar bonacheirão: quanto queremos? (sei
lá, por favor ajude-me Sr. Vasco) E é aí que, reparo, se começa a
desenvolver entre cliente-talhante toda uma nova relação vagamente familiar: de
repente, este homem porco e bruto sabe exactamente de que precisamos (mais
tenrinha, menos nervo), de quanto precisamos e quando (venha amanhã, acredite
em mim) e para quantas pessoas. Pode revelar ser a maior bodega do mundo, mas
é-nos impingida com todo o carinho e amor.
Freud deveria ter certamente qualquer coisa a dizer sobre os
talhantes. Eu, por minha vez, descobri todo um novo processo psicanalítico.
O engraçado é que, quando era pequeno, o meu primeiro momento "quando for grande quero ser..." envolvia o talho. Sempre quis ser talhante. Hoje o "sonho" emigrou, mas é todo um mundo fascinante. E não é para toda a gente.
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