sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A Psicanálise do Talhante


Admito que nunca fui muito fascinada por cozinha. Até agora, altura em que decidi começar uma dieta mais saudável, a minha alimentação diária baseava-se muito no pão com queijo e em casos de maior inspiração, pizzas. Adoro pão, pronto, por isso nunca me fez espécie viver assim.
Da carne, então, sempre tive um certo pavor. Cozinhada por mim, sabe-me muito concretamente ao animal morto em questão. Deve ser do processo de ter de pegar nele ainda cru, adivinhá-lo enquanto vivo e outras divagações criativas que tais que, antecedendo o momento da refeição, não a tornam propriamente ideal. Mas a minha vida tinha de mudar, decidi, não queria ser mais a Teresa Pão com Queijo.
Não podia ser.

Como continuava a detestar a carne embalada (por mais condimentos que lhe adicionasse, o animal continuava ali, a espernear-me entre os dentes) comecei a seguir o conselho sábio da minha avó de ir Ao Talho. E descobri um mundo maravilhoso. Claro que para as pessoas normais isto deve parecer completamente estúpido, mas a verdade é que eu nunca tinha ido Ao Talho. Como disse, produtos embalados e pão eram a minha cena. Quanto menos as minhas mãos tocassem na carne, melhor e nunca ter de o fazer era o ideal.

É que se constrói ali todo um novo tipo de relação humana. Temos alguém, geralmente um homem, que também se assemelha a uma figura paternal, gordo ou pelo menos possante. Muitas dos clientes sabem o nome dele, que clamam com submissa alegria, esticando o tickezinho com o respectivo número. Não parece possuir hábitos de higiene muito regulares, no entanto enfia as mãos na nossa comida com o máximo das displicências, ao mesmo tempo que nos aborda com um ar bonacheirão: quanto queremos? (sei lá, por favor ajude-me Sr. Vasco) E é aí que, reparo, se começa a desenvolver entre cliente-talhante toda uma nova relação vagamente familiar: de repente, este homem porco e bruto sabe exactamente de que precisamos (mais tenrinha, menos nervo), de quanto precisamos e quando (venha amanhã, acredite em mim) e para quantas pessoas. Pode revelar ser a maior bodega do mundo, mas é-nos impingida com todo o carinho e amor.
Freud deveria ter certamente qualquer coisa a dizer sobre os talhantes. Eu, por minha vez, descobri todo um novo processo psicanalítico.

1 comentário:

  1. O engraçado é que, quando era pequeno, o meu primeiro momento "quando for grande quero ser..." envolvia o talho. Sempre quis ser talhante. Hoje o "sonho" emigrou, mas é todo um mundo fascinante. E não é para toda a gente.

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